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terça-feira, 8 de setembro de 2009

23 de Agosto – A chegada (Parte 1)

O dia começou pelas 6 da manhã.

À chegada ao aeroporto, apesar de me ter tentado preparar antecipadamente para o que iria encontrar, senti de imediato a diferença dos dois mundos. Esse e este.

Ainda dentro do autocarro era logo perceptível o estado de conservação, ou falta dela, dos edifícios na envolvente do aeroporto.

Já dentro do aeroporto, depois de cerca de 40 minutos de espera, quando me dirigi ao “balcão” da polícia (tipo SEF) para que verificassem a minha documentação e me deixassem entrar no país, o caramelo diz-me “café”. Eu ri-me, fingindo-me despercebido, e ele diz, muito rápido, uma frase que não percebi que terminava em “café”. Eu disse que não tinha e ele, muito tranquilo diz-me “era para beber café”. E continua a tratar da minha documentação… Percebi depois a inteligência (se é que se pode aplicar este termo neste caso) do caramelo, porque nas primeiras abordagens só falava em café. Percebi que se tentasse esboçar alguma reclamação (caso não soubesse em que tipo de país estava a entrar) ele diria que me tinha perguntado apenas se eu já tinha tomado café ou algo semelhante. Mas, após essa abordagem, tudo correu bem e despachei-me rapidamente.

Depois, quando cheguei aos tapetes para ir buscar as malas, vinha um indivíduo com um conjunto de carros que tinha recolhido e que ia colocar no local onde estavam outros. Como ia a passar por mim perguntei se não poderia tirar aquele. Responde-me que sim e atalhou logo, sem que existisse mais conversa nenhuma, “Olha, é assim, pode tirar o carro e combinamos já aqui para eu o orientar lá fora. Não é preciso se preocupar”. Disse-lhe que não, que tinha pessoas conhecidas à minha espera, e, de imediato, prosseguiu o seu caminho sem dizer absolutamente nada…

Até este momento estava com um rácio fantástico. Dois contactos com locais, duas abordagens referidas como exemplo por todos os conhecedores deste país…

Ao sair tinha uma pessoa à minha espera. Dirigi-me a ele e fomos andando para o carro (Um Patrol bem velhinho, bastante utilizado e cheio de pó. Todo ele era pó). Deixou-me no carro e disse que tinha que ir pagar o estacionamento. Daí a 4 minutos apareceu logo um indivíduo, já velho, a dizer que “Hoje é domingo e é dia de café. Toda a gente está a dar”, e, enquanto falava mostrou-me um monte de notas. Respondi-lhe que o motorista já dava. Ele voltou a repetir e eu repeti novamente e ele, como se eu tivesse dito uma coisa extremamente acertada diz “Ah, ele já foi pagar? Então está bem”. Engraçado porque eu estava a dizer que quando chegasse o motorista lhe pagava e ele diz-me que se ele já tinha ido pagar estava certo….

Quando ele se foi embora quis admirar o Patrol mais detalhadamente. Ao olhar para a consola vejo que não existia rádio… Quer dizer… Existir existia mas era um rádio a pilhas, daqueles em plástico preto com uma antena metálica que, apesar de ter procurado em Portugal não encontrei… Aquele era o rádio do carro… Eheheheh Quando o Sr. Domingos entrou no carro ligou de imediato o rádio e puxou-o mais para o seu lado. Era um gesto que fazia todo o sentido porque o carro, apesar de não ser ensurdecedor, não deixava muito espaço para que o som dA colunA fosse perceptível…

Arrancámos…

O arrancámos é relativo, na verdade só tirámos o carro do estacionamento porque “assim que começámos a andar” ficámos parados na fila.

Aí percebi que o rádio estava sintonizado na “Rádio Nacional de Angola” (pode-se imaginar o locutor a dizer isto ehehehehehhe). Quando me comecei a abstrair do que estava à volta (da construção do parque de estacionamento definitivo para o aeroporto, da fila, do tipo de pessoa, do tipo de edifícios da envolvente, etc) percebi que no rádio estavam a dar “anúncios” de pessoas falecidas. Diziam o nome e o local onde estava a ser velado, ou ia ser enterrado, o corpo. Aos 2 primeiros prestei alguma atenção porque pensei que eram celebridades. Depois percebi que se tratavam de pessoas vulgares… Imagine-se um programa de rádio em Arganil a dizer que o Zé António tinha falecido e seria enterrado amanhã às 8, que o “Ti Jaquim” da “Ti Rosa” ia ser velado a partir das 16h etc etc etc. Nem queria acreditar… Afinal de contas isto é uma cidade e era uma estação de rádio nacional…

A seguir o conteúdo mudou um pouco mas era especial na mesma… Eram mensagens de pessoas para pessoas. Lembro-me de uma muito particular “O XPTO pede a presença urgente da sua família, os “YZ de qualquer coisa”, na província de “ALGO””… Basta imaginar…

Eheheheheh

O programa durou enquanto estivemos no parque (aprox. 25 min).

Entretanto o Sr Domingos, astuto, queixava-se que a fila era porque as pessoas entravam no carro e depois, quando chegavam à cancela, saíam do carro e iam pagar… Procedimento que, segundo ele, “era estúpido porque assim todos ficamos aqui à espera”. Daí a pouco, quando estávamos a passar à frente do telheiro onde estavam as pessoas que saiam do aeroporto, o carro que ia à nossa frente parou e ligou os “4 piscas”. Ele começou logo a abanar a cabeça. De dentro do carro saí uma mestiça, com o cabelo muito volumoso e bem arranjado, e com uma postura muito “fina”. Abre a mala de trás do carro e vem o rapaz, que ela tinha ido buscar, colocar as coisas na mala do carro… Depois de carregar tudo, com alguma descontracção (apesar dos carros à sua frente já terem arrancado), arrancou…

Parece normal??

Ainda não acabou…

Quando chegámos à cancela, a mesma “personagem” colocou o cartão na máquina. O cartão foi devolvido, ela voltou a meter, voltou a ser devolvido . Como ao lado estava a fila para pagar, um rapaz dirigiu-se para a ajudar… Provavelmente pensou que ela não estava a chegar à máquina. Meteu o cartão e foi devolvido… Depois disse-lhe qualquer coisa (já no carro nós comentávamos que provavelmente ela nem tinha ido pagar) e ela sacou duma nota e deu-lhe. O rapaz (já com os seus 30 anos), que estava para aí em 5º lugar da fila, foi à frente, pagou, veio ao carro dar-lhe o troco, meteu-lhe o cartão na máquina e ela arrancou… Algum comentário?? Eheheheh

Voltando um pouco atrás… Enquanto fiquei no carro a aguardar que o Sr. Domingos fosse pagar o parque de estacionamento, apenas por curiosidade, “perdi um bocadinho” (na realidade não havia nada a perder nem a ganhar, estava ali, num mundo totalmente novo, e tinha que ficar à espera que ele chegasse) a analisar a placa em que ele tinha a minha fotografia, para que eu soubesse quem me iria buscar (sim, teria que ser eu a perceber porque ele nem olhava para a cara das pessoas que estavam a sair…). Na placa dizia o meu nome e dizia “Deixar o Sr. na casa do Sr. Cabral. O segurança já sabe que terá que avisar o Sr. Cabral quando chegarem”.

A viagem foi intensa porque fiz questão de absorver o máximo de pormenores da minha nova realidade. Em todo o percurso existiam inúmeras casas degradadas. Já se viam bastantes pessoas nas ruas, umas a pé, outras de mota e outras de carro. Tudo tinha um aspecto avermelhado proveniente da cor da “terra”. A circulação dos carros era peculiar porque numa estrada com duas vias em cada sentido a circulação era feita apenas na da esquerda. A da direita tinha carros estacionados, tinha carros que depois de acidentados tinham sido ali abandonados e tinha uma crescente quantidade de terra desde o eixo até ao passeio…

Tudo para mim era novo…

O cenário correspondia, na perfeição, a todas as descrições feitas ainda em Portugal. “Imensos assaltos”, “pobreza”, “insegurança” “desorganização”,“desrespeito”, “anarquia”, entre outras.

Aqui e ali tentava captar algo mais. Queria perceber se nas ruas existiam “objectos portugueses” ou se seriam provenientes de outros locais. Sabia de muitas coisas que eram provenientes de Portugal mas agora queria vê-las… Queria perceber se, de facto, ainda existe alguma interligação, a nível cultural, dos dois países…

Sem o procurar propositadamente encontrei, num outdoor, uma resposta. “Bocka aí mais uma” era o slogan da Super Bock em que se viam duas garrafas a tocarem-se no fundo, como que se de um brinde se tratasse. Motivado por aquela visão comecei a procurar outros outdoors, outras publicidades, outras placas, no fundo, queria saber o que é que se tentava transmitir aos transeuntes. Daí a pouco tempo leio “Não faça necessidade na rua”. Era uma placa que estava numa vedação provisória duma intervenção que faziam a um jardim junto a uma rotunda. Abaixo da mensagem podia ler-se que a mensagem era de uma autoridade sanitária que, penso, se denomina “Delegação Provincial de Saúde”.

Aí, confesso, pensei “onde é que me estou a meter”. Necessidades na rua era algo que eu só tinha visto fazer quando um grupo de jovens, após ou durante uma noite de brincadeira e diversão decide, fruto da sua juventude, “regar uma plantinhas” que encontra.

Ali certamente que não era disso que se tratava porque, se fosse, certamente que ninguém se iria dar ao trabalho de fazer uma grande quantidade de placas com a identificação duma autoridade, penso, digna de respeito.

Ainda quase incrédulo com o que tinha acabado de ler vejo, noutro outdoor, “Atingimos uma nova numeração, 93”. Nesse momento percebo a amplitude que terá a sociedade. Existem as pessoas que, com alguma regularidade, e achando que isso é normal, fazem as suas necessidades fisiológicas na rua, outras, num estado mais civilizado, que já gostam de beber umas cervejas “de qualidade” com os amigos e, ainda outras, que já têm outra vivência, outros interesses e outro intelecto e que já utilizam o seu telemóvel para falar com os amigos. Porquê três grupos totalmente distintos? Não sei, não quero acreditar que três frases tão diferentes sejam direccionadas para uma só pessoa… À data de hoje (estou a complementar este texto a 6 de Setembro de 2009) não estou certo que isso não seja possível.

Enquanto a minha cabeça ia tentando processar e gravar tudo o que via lembrei‐me de perguntar ao Sr. Domingos, tentando fazer conversa de circunstância, se “a casa era muito longe”. Ele disse-me que não e explicou que “por ser domingo andamos aqui bem e tudo é perto. Se fosse durante a semana íamos demorar umas três horas a fazer o percurso”. Logo aí comecei a ver uma quantidade incrível de prédios, enormes, em construção… Muitas empresas portuguesas… Quando perguntei como se chamava a zona para onde ia ele disse-me que “ninguém me disse onde é que era para o levar, deve ser no (nome que não registei, sabe se é?)”. Como não fazia ideia do que isso significava disse-lhe que não sabia. Que me tinham dito que “a pessoa que me ia buscar já sabia tudo e que não tinha que me preocupar”. Ele riu-se e disse-me “a mim ninguém me disse nada” mas deixo-o lá. Depois de perguntar em que zona da cidade ficava o tal sítio percebi que algo deveria estar errado (tendo em consideração as informações que me tinham dado). Resumindo… O Sr. ia levar-me para o estaleiro central da empresa que fica fora da cidade… Expliquei que me tinham dito que ia para a “casa do Sr. Cabral” e ele, com alguma autoridade disse-me “pois, ainda bem que sabe porque a mim ninguém me disse nada. Se não me dissesse ia deixá-lo no estaleiro. Alguém me devia ter passado essa informação”.

Um pequeno parêntesis porque, com tanto texto já podem estar perdidos, lembram-se de eu ter lido a placa que tinha a minha fotografia??? Pois… Lá estava bem explicito onde é que era para me deixar mas o senhor achava que “alguém lhe devia ter passado essa informação”… hehehehehehe

Que mais poderia eu fazer senão sorrir e dizer “Pensava que lhe tinham dito”…

Enquanto nos íamos aproximando da casa, dito pelo Sr. Domingos, o aspecto das casas e das ruas foi melhorando significativamente até que parámos num largo.

3 comentários:

SCLARO disse...

Fantástico, estou a gostar disto.
Sérgio Claro

Anónimo disse...

Já pensaste em escrever um livro??! :-)
De repente senti que já não necessito de leitura de mesa de cabeceira, encontrei as linhas perfeitas no teu blog. Uma aventura fantástica!!
Tudo de bom :-)
Carla
P.S.- Vou providenciar um rádio com DUAS colunAS para te oferecer no Natal! ehehehe

João disse...

ehehheheh

Que exagero... Isto é apenas um "diário" da minha nova experiência...

O facto de haver menos agitação e menos coisas para fazer leva-nos a encontrar novas ocupações.

Esta experiência está a revelar-se muito positiva porque para além de descobrir o prazer de escrever, estou também a conseguir dedicar-me mais à fotografia e, acima de tudo, ganhei algum tempo para reflectir... Pode ser apenas por estar nos primeiros dias, vamos ver se continuarei com a mesma opinião daqui a algum tempo.

Obrigado pela força. ;);)

E já agora parabéns... Que tudo corra bem e que "tenhamos" (vocês claro) uma criança cheia de energia, saúde e inteligência.

Bjinho grande

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