Depois do reconfortante almoço já eram 14.30 e a Comuna de Kaluka estava a cerca de 90 km de casa (40 dos quais em picada) e, uma vez que às 18 horas a noite é cerrada, já não restava muito tempo para terminar “a missão”.
Consegui uma nova percepção da cidade e lá estávamos na “estrada de Luanda” a caminho…
Apesar de só 100 metros depois nos apercebermos que já tínhamos passado a “cortada” para Kaluka o percurso na picada foi muito tranquilo. Comentámos até que, depois dos km’s que já tínhamos feito, aquela parecia ser a melhor e constatámos que era verdade mas…
Pois… Há sempre um mas…
Depois de atravessar ribeiros, passar em troços em que toda a estrada era envolta em capim, atravessar zonas em que as canas tinham uma grossura superior a um braço de um adulto, etc, após 20 km de picada (sem ver uma única casa ou pessoa) deparámo-nos com uma “passagem de ribeiro” (que pretendia ser uma ponte) em que apenas havia plataforma para os 2 rodados. O desnível era de cerca de 1,5 metros e a ponte deveria ter 5 metros de comprimento mas… Se algo acontecesse estaríamos a, pelo menos, 20 km do local em que começámos. A passagem foi pacífica…
Atingido o km 30 surgiram as primeiras 6 “casas” (em adobe). Perguntámos se o Administrador da Comuna estaria por ali e, a uns 20 metros da estrada, ouvimos uma senhora dizer “É mais à frente”. Prosseguimos e 10 km adiante um novo aglomerado (este já maior). Junto à estrada e debaixo de uma árvore estava um senhor já com os seus 60 anos e um menino com cerca de 12 anos. Parámos (porque pensámos que poderia ser ali e também para não “invadir” o espaço sem questionar nada a ninguém) e voltámos a perguntar pelo Administrador. O senhor, muito afável, simpático e sorridente, disse-nos que não sabia se ele estava mas que a Comuna era mais à frente e, nesse mesmo intante, com um sorriso simpático (quase de orelha a orelha), olhando para mim o menino acenou-me com a mão com um misto de “adeus, boa viagem” e um “olá, eu estou aqui” (o que fazia todo o sentido porque nos dirigimos ao senhor). De uma forma simpática retribuí o aceno e então tive direito a um aceno ainda mais enérgico.
Prosseguimos caminho e, agora num local mais amplo (em que a estrada tinha cerca de 10 metros de largura, e de cada um dos seus lados estavam “terraços” com mais 10 metros e só depois estavam as casas) parámos e voltámos a saber que “A Comuna é mais à frente”.
A nossa esperança aumentava cada vez que surgiam, ao longe, novos aglomerados e as certezas aumentavam quando conseguíamos vislumbrar casas (no sentido europeu do termo) pintadas de rosa escuro (cor normalmente utilizada para os edifícios públicos ou residências de titulares de cargos públicos). Contudo, só 28 km depois de surgir a primeira casa é que conseguimos falar com um representante da Administração da Comuna.
O nosso interlocutor era o responsável pela Educação da Comuna. Depois de explicado o nosso objectivo “obrigou-me” a entrar na sua casa para falarmos um bocadinho melhor e, depois de eu estar sentado nas cadeiras da sua sala, foi a outro compartimento. Depois percebi que pretendia “registar” a nossa presença e, começando com um “Qual é o objectivo da vossa visita?”, logo me pediu todas as informações necessárias para apontar na sua agenda.
Sendo o ponto de captação de água longe, segundo ele, sugeriu que fossemos na nossa viatura (e teria mesmo que ser porque depois percebemos que em todo o aglomerado não existia nenhuma viatura) e logo ele acedeu e convidou o “seu adjunto”, no pelouro da Educação, e outro vizinho que nos tinha levado até ele.
No caminho, depois de percorridos já mais 3 km’s decidi tentar perceber mais sobre aquela comuna porque passámos por diversas escolas, muitas casas, muitas crianças, jovens e adultos ao longo de 28 km. Ficámos então a saber que existiam 700 jovens em idade de escola. É verdade. 700 jovens. Ficámos também a saber que seriam cerca de 4.000 pessoas ali… No cume de uma montanha… A 40/50 km (o que representa cerca de 1 hora e 20 minutos a uma velocidade variável consoante o troço) da via principal.
Pelo caminho encontrámos ainda um secretário da Administração que, alcoolicamente bem disposto, não compreendia porque é que queríamos começar uma obra quando o Administrador não estava presente (apesar de serem 17 horas) e que, por isso mesmo, não queria ir connosco nem queria que nos levassem lá… Diplomaticamente (apesar de ser a um volume elevado o nosso “guia” conseguiu que ele se juntasse a nós e prosseguíssemos viagem).
Chegados ao “Rio”, algo preocupados com o caminho de regresso, fizemos o levantamento que necessitámos e regressámos ao local onde tínhamos recolhido o nosso primeiro interlocutor.
Nesse momento eram cerca de 17:40 e percebemos que muitos dos km’s da picada teriam que ser feitos de noite…
Iniciámos então o percurso de regresso (dando boleia ao Adjunto do nosso interlocutor para um aglomerado que estava a cerca de 5 km de distância) e já pelas 18 horas vimos um senhor a pedir boleia. Não tendo dado boleia a ninguém em 2 dias de percursos semelhantes, o meu companheiro de missão decidiu perguntar se “damos boleia ao homem?”. E ainda a cerca de 200 metros assenti… Chegados a 20 ou 30 metros vejo algo estranho na vertical encostada ao corpo do homem e, nesse mesmo momento, oiço o meu companheiro dizer “o homem é caçador?” e aí confirmei que, de facto, era uma espingarda. Apesar de estarmos perto pensei de imediato “tantos km em que nem ponderámos dar boleia a ninguém (que estivesse em marcha nas picadas) e quando começamos a abrandar para dar boleia é a um homem, com espingarda, quando não sabemos a quantos km estamos das próximas casas e de noite”.
Inevitavelmente parámos e perguntámos para onde ia. Calculámos que seria o próximo aglomerado e fizemos sinal para que subisse (para a caixa aberta da carrinha).
Durante todo o percurso (cerca de 20 minutos) dei por mim a olhar para o retrovisor para ter a certeza que a espingarda continuava na vertical… Tentei ainda concluir sobre o motivo de ele trazer consigo a espingarda…Só já quase a chegar ao povoado conclui (eventualmente com a clarividência de quem pensa que desde o momento que nos viu poderia ter feito algo e não o fez) que ele deveria ter feito vários km’s a pé e que, para se salvaguardar, preferia andar armado.
Chegados ao aglomerado o homem começou a tentar avisar-nos que era ali e assim que a viatura parou ele saltou para o chão, sorriu, agradeceu e começou a afastar-se em direcção às casas. Claro que só assim “não tinha piada” e o meu companheiro de viagem teria ainda que lhe perguntar “então o que é que caçou, mostre-me lá o saco”. E o senhor, que já estava a uns 20 metros do carro lá veio novamente em nossa direcção e, sem perceber muito bem a pergunta, emitiu um som, abanou o saco e sorriu…
Prosseguimos viagem e, no mesmo local, lá estava o “avô e o neto”, agora acompanhados de mais 2 pessoas. À nossa passagem (agora bem mais depressa) o senhor cumprimentou-nos com um lento aceno e, atrás do seu banco, o neto saltava e acenava “aos turistas”.
Nesse mesmo momento a noite estava a ficar evidente e, pela frente, ainda tínhamos cerca de 40 km de picada para percorrer. Pela frente, o capim, os riachos, a “ponte” e eventualmente pessoas a pé à beira da estrada…
Felizmente todo o percurso correu bem… Pelo caminho vimos muitas pessoas, vindas das suas lavras, em direcção a casa. Percebemos que uns esperavam pelos outros para que o percurso fosse feito em conjunto.
Até ao fim do percurso apenas mais uma surpresa… Em pleno troço de capim, ao longe, umas luzes… Só poderia ser um carro. Uns metros adiante confirmámos. Era um jipe de caixa aberta que atrás trazia muitos homens com equipamentos desportivos e chuteiras. Certamente admirado por se estar a cruzar ali com outro carro, abrandou a marcha e já quase ao nosso lado quase que imobilizou o jipe. Parámos ao seu lado, também para facilitar a passagem, e já parados lado a lado o meu companheiro de viagem perguntou se conseguia passar. Uma vez que “estávamos a ser analisados” perguntou ainda se vinham da cidade. A resposta foi afirmativa e, em jeito de despedida, “informámos” que íamos agora também para lá…
5 horas após a partida regressámos novamente a casa, com o objectivo cumprido, e com mais uma experiência “no bolso”.
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